Videodança como lente de análise em Someday de Spike Jonze
A videodança é uma linguagem híbrida entre o audiovisual e a dança. Ela se estrutura a partir do movimento, da coreografia, da câmera e da edição como elementos igualmente coreográficos. Não se trata apenas de registrar dança, mas de criar uma experiência sensorial onde o movimento do corpo e da câmera se entrelaçam, muitas vezes em sincronia com o som (ou o silêncio).
Spike Jonze dirigiu um curta em que Pedro Pascal, em plena metrópole, coloca os AirPods 4 e o mundo ao redor muda: o ruído da cidade se dissolve, e ele entra numa espécie de transe coreográfico. A cidade toda dança acompanhando à música que só ele ouve. Spike Jonze, como em “Weapon of Choice” ou “Praise You”, constrói uma coreografia do cotidiano urbano atravessada por esse corpo dançando em meio ao caos interno.
Após o fim de um relacionamento, um homem caminha pela cidade. Os ombros caídos, o olhar perdido, o silêncio interno pesam em seus passos. Ao seu redor, tudo parece refletir esse estado: o céu é opaco, os prédios, desbotados, o movimento urbano, indiferente. A cidade pulsa em tons frios e abafados, como se compartilhasse de sua solidão.
Ele coloca os AirPods 4. Uma música suave e melancólica começa a tocar, e algo imperceptível começa a mudar. Como por encantamento, o mundo ao redor entra em sintonia com o som. A cadência dos passos dos transeuntes denotam que tudo parece dançar com ele. A cidade se move agora num balé contido, harmônico, como se acolhesse sua dor.
Um homem se aproxima pedindo informações. Ele ativa o modo ambiente para ouvir, e o ruído do mundo real invade de novo: buzinas, motores, vozes entrecortadas. A mágica se desfaz, e a realidade volta a pesar.
É então que, do outro lado da rua, ele o vê — ou melhor, vê a si mesmo. Uma versão luminosa, leve, cercado de amigas em um espaço vibrante, iluminado por cores quentes. Aquele “outro eu” sorri, dança, parece em paz. A trilha sonora muda junto: agora é alegre, pulsante, de um ritmo que convida ao movimento pleno.
A câmera acompanha Pedro Pascal, o protagonista, nesse novo percurso. Seus gestos ganham amplitude, fluidez e propósito. Ele atravessa a cidade dançando, e a cidade dança com ele. Os encontros com outras pessoas se tornam momentos coreográficos: abraços que giram, olhares que conduzem, movimentos que se entrelaçam com o espaço urbano. Há liberdade, alegria, um respiro coletivo que transforma o concreto em poesia.
Até que, ao fim desse percurso dançante, ele — a versão luminosa — reencontra aquele que era antes: o homem triste. Os dois se encaram por um instante. E nesse breve encontro de olhares, algo se redime. Há esperança.
Na cena final, ele — agora transformado — recoloca os AirPods. A música volta a tocar. A cidade segue sendo cidade, mas algo mudou: os transeuntes, ainda vestidos com tons neutros, agora trazem detalhes coloridos em suas roupas. Um lenço, um sapato, uma manga vibrante. É sutil, mas claro: as pulsões de tristeza e alegria coexistem, atravessam o cotidiano, e são estados em trânsito. O mundo continua, mas o olhar que o vê agora dança.
O silêncio como coreografia: cancelamento ativo de ruído
Na perspectiva da videodança, o cancelamento de ruído não é apenas um recurso tecnológico — ele se torna um elemento narrativo. O silêncio parcial, criado pelos AirPods, molda o modo como Pedro Pascal se move. A câmera de Jonze dança junto com ele, mergulhando o espectador nessa bolha sensorial. O espaço sonoro se transforma em movimento: o corpo de Pascal responde à música interna, mas também aos movimentos coreografados do mundo externo.
Sob a lente da videodança, o filme não é só sobre fones de ouvido — é sobre o efeito que eles têm sobre o corpo. É sobre o espaço íntimo e ao mesmo tempo conectado que se cria no meio do público. Pedro Pascal dança, não por performance, mas porque finalmente ele pode "se ouvir". É um novo tipo de liberdade, um novo tipo de escuta — e de movimento.
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