terça-feira, 15 de abril de 2025

Les Disparates de Boris Charmatz e César Vayssié

Les Disparates (1994)

Coreografia: Boris Charmatz & Dimitri Chamblas
Direção cinematográfica: César Vayssié

Contexto e importância

Les Disparates é um dos primeiros trabalhos coreográficos de Boris Charmatz e Dimitri Chamblas — criado quando ambos ainda eram muito jovens, com apenas 17 anos. Trata-se de uma peça coreográfica pensada originalmente para o palco, mas que ganhou uma nova dimensão com a versão em vídeo dirigida por César Vayssié, cineasta francês com forte inclinação experimental.

Essa obra tornou-se emblemática não só pela energia juvenil e inventiva da coreografia, mas também pela forma como ela transita entre dança, performance e cinema. A filmagem de Vayssié transforma o que poderia ser apenas uma gravação de dança em uma peça audiovisual pulsante, com sua própria lógica e linguagem.

A coreografia: fragmento e velocidade

Charmatz e Chamblas trazem em Les Disparates uma fisicalidade intensa, marcada por gestos abruptos, deslocamentos rápidos e uma sensação de urgência. O título — que remete a "os díspares", "os diferentes" — já sugere essa lógica do fragmento, do desencaixe, da diferença.

A dupla trabalha com o contraste entre aproximação e afastamento, entre movimentos de fuga e contato, em um jogo de forças e desequilíbrios constantes. É como se os corpos estivessem tentando se conectar, mas fossem sempre levados por forças maiores: gravidade, impulso, desejo, caos.

A linguagem de Vayssié: dança-câmera-montagem

César Vayssié não registra a dança como um observador distante — ele entra nela. Sua câmera é coreográfica, movendo-se com os bailarinos, muitas vezes colada aos corpos, distorcendo perspectivas, fragmentando a imagem.

A montagem também se torna um elemento coreográfico. O ritmo dos cortes, as sobreposições, os efeitos de distorção e os planos fragmentados amplificam a energia da coreografia, criando uma nova camada de sentido que não existia na peça original.

Nesse sentido, Les Disparates não é simplesmente uma dança filmada — é uma videodança em essência: uma obra onde o movimento dos corpos e o movimento da imagem são indissociáveis.

Há algo muito cru e vibrante nessa obra. Ela carrega uma urgência quase punk, uma estética do inacabado que desafia os modos mais polidos da dança tradicional. E essa escolha não é gratuita — é uma marca do pensamento artístico de Charmatz, que mais tarde se tornaria um dos coreógrafos mais influentes da cena europeia contemporânea.

Les Disparates continua relevante porque encarna um espírito de experimentação radical. Ela nos mostra o poder da colaboração entre linguagens: dança e cinema, corpo e máquina, juventude e linguagem.

Se você está pensando em videodança, essa obra é essencial. Ela antecipa discussões sobre presença, mídia, fragmentação, e, acima de tudo, sobre como o corpo pode ser pensado fora do palco — no tempo da imagem, no espaço da tela.

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