segunda-feira, 12 de maio de 2025

46Bis, rue de Belleville


A obra 46bis (1988), de Pascal Baes e Sara Denizot, é um exemplo seminal do uso da técnica de pixilation aplicada à videodança. Trata-se de um curta-metragem que se destaca por explorar intensamente o potencial expressivo do corpo em movimento através de uma linguagem audiovisual não convencional.

A pixilation é uma técnica de animação stop motion em que seres humanos (ou outros objetos em escala real) são fotografados quadro a quadro, criando a ilusão de movimentos impossíveis ou altamente coreografados. Isso transforma corpos vivos em elementos quase "animados", deslocando-os da lógica do movimento natural e inserindo-os em uma temporalidade manipulada.

Em 46bis, a pixilation não é apenas um efeito estético, mas sim uma linguagem coreográfica própria. Ela permite que os corpos de Sara Denizot e Laurence Rondoni realizem movimentos que desafiam a gravidade e a linearidade do tempo, aspectos que são impossíveis na dança tradicional ou mesmo na gravação em tempo real. O corpo dançante é tratado quase como um traço animado, uma forma gráfica que se inscreve no espaço de forma descontínua. Isso amplia a percepção do corpo como linguagem visual e não apenas como gesto expressivo. A pixilation rompe com a lógica do espaço contínuo. As dançarinas parecem deslizar, saltar, desaparecer e reaparecer com fluidez impossível, criando uma coreografia que transcende os limites físicos da dança. 

A edição frame a frame permite uma manipulação do tempo que desconstrói a causalidade do movimento. O tempo torna-se plástico, moldável, e com isso a dança também se transforma em algo mais próximo da animação do que da performance ao vivo. O resultado final da obra é uma atmosfera entre o sonho e a ilusão, com forte carga poética. Isso aproxima 46bis de correntes surrealistas e reforça a ideia de que a cinematografia aqui, não apenas registra a dança — ele é a dança. Assim, 46bis se inscreve como um marco da videodança experimental dos anos 1980, explorando com originalidade a interseção entre dança, cinema e tecnologia de animação.

[ES] La obra 46bis (1988), de Pascal Baes y Sara Denizot, es un ejemplo seminal del uso de la técnica de pixilación aplicada a la videodanza. Se trata de un cortometraje que destaca por explorar intensamente el potencial expresivo del cuerpo en movimiento a través de un lenguaje audiovisual no convencional.

La pixilación es una técnica de animación stop motion en la que se fotografían seres humanos (u otros objetos de tamaño real) cuadro por cuadro, creando la ilusión de movimientos imposibles o muy coreografiados. Esto transforma los cuerpos vivos en elementos casi “animados”, desplazándolos de la lógica del movimiento natural e insertándolos en una temporalidad manipulada.

En 46bis, la pixelación no es sólo un efecto estético, sino un lenguaje coreográfico propio. Permite que los cuerpos de Sara Denizot y Laurence Rondoni realicen movimientos que desafían la gravedad y la linealidad del tiempo, aspectos que son imposibles en la danza tradicional o incluso en la grabación en tiempo real. El cuerpo danzante es tratado casi como una línea animada, una forma gráfica que se inscribe en el espacio de manera discontinua. Esto amplía la percepción del cuerpo como lenguaje visual y no sólo como gesto expresivo. La pixelación rompe con la lógica del espacio continuo. Los bailarines parecen deslizarse, saltar, desaparecer y reaparecer con una fluidez imposible, creando una coreografía que trasciende los límites físicos de la danza.

La edición fotograma a fotograma permite la manipulación del tiempo que deconstruye la causalidad del movimiento. El tiempo se vuelve plástico, moldeable, y con ello la danza también se transforma en algo más cercano a la animación que a la performance en vivo. El resultado final de la obra es una atmósfera entre el sueño y la ilusión, con una fuerte carga poética. Esto acerca a 46bis a las corrientes surrealistas y refuerza la idea de que la cinematografía aquí no solo registra la danza: es danza. De este modo, 46bis se sitúa como un hito en la videodanza experimental de los años 80, explorando con originalidad la intersección entre la danza, el cine y la tecnología de la animación.

[EN] The work 46bis (1988), by Pascal Baes and Sara Denizot, is a seminal example of the use of the pixilation technique applied to screendance. It is a short film that stands out for intensely exploring the expressive potential of the body in movement through an unconventional audiovisual language.

Pixilation is a stop motion animation technique in which human beings (or other real-scale objects) are photographed frame by frame, creating the illusion of impossible or highly choreographed movements. This transforms living bodies into almost "animated" elements, displacing them from the logic of natural movement and inserting them into a manipulated temporality.

In 46bis, pixilation is not just an aesthetic effect, but rather a choreographic language in its own right. It allows the bodies of Sara Denizot and Laurence Rondoni to perform movements that defy gravity and the linearity of time, aspects that are impossible in traditional dance or even in real-time recording. The dancing body is treated almost as an animated line, a graphic form that is inscribed in space in a discontinuous manner. This broadens the perception of the body as a visual language and not just as an expressive gesture. Pixilation breaks with the logic of continuous space. The dancers seem to glide, jump, disappear and reappear with impossible fluidity, creating a choreography that transcends the physical limits of dance.

Frame-by-frame editing allows for a manipulation of time that deconstructs the causality of movement. Time becomes plastic, moldable, and with this the dance also transforms into something closer to animation than to live performance. The final result of the work is an atmosphere between dream and illusion, with a strong poetic charge. This brings 46bis closer to surrealist movements and reinforces the idea that cinematography here does not just record dance — it is dance. Thus, 46bis stands as a milestone in experimental screendance from the 1980s, exploring with originality the intersection between dance, cinema and animation technology.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

OK Go - A Stone Only Rolls Downhill (Official Video)


O videoclipe "A Stone Only Rolls Downhill", da banda OK Go, lançado em janeiro de 2025, é uma obra que se aproxima do campo da videodança ao explorar a interseção entre movimento coreografado e imagem em movimento. Conhecidos por seus vídeos criativos e coreografias elaboradas, a banda utiliza neste trabalho smartphones para criar uma sequência coreografada que se desenrola através de uma matriz de 64 telas, cada uma exibindo uma parte da performance. No caso de "A Stone Only Rolls Downhill", a utilização de múltiplas telas e a coreografia sincronizada se alinham com os princípios da videodança, ao enfatizar o movimento e a interação entre corpo e tecnologia. A produção do vídeo envolveu um planejamento meticuloso, com 1.043 tomadas realizadas ao longo de oito dias, resultando em mais de duas horas de material bruto. A complexidade técnica e a inovação na utilização de dispositivos móveis como ferramentas de criação artística refletem o compromisso da banda com a experimentação e a fusão de arte e tecnologia. Embora "A Stone Only Rolls Downhill" seja, em essência, um videoclipe, sua abordagem coreográfica e o uso criativo da tecnologia o posicionam próximo ao universo da videodança. A obra exemplifica como a dança pode ser reinterpretada e apresentada através de meios digitais, expandindo os limites tradicionais da performance e da expressão artística.


OK Go’s music video for “A Stone Only Rolls Downhill,” released in January 2025, is a work that approaches the realm of screendance by exploring the intersection of choreographed movement and moving image. Known for their creative videos and elaborate choreography, the band uses smartphones to create a choreographed sequence that unfolds across a matrix of 64 screens, each displaying a portion of the performance. In the case of “A Stone Only Rolls Downhill,” the use of multiple screens and synchronized choreography aligns with the principles of screendance by emphasizing movement and the interaction between body and technology. The production of the video involved meticulous planning, with 1,043 takes taken over eight days, resulting in over two hours of raw footage. The technical complexity and innovation in using mobile devices as tools for artistic creation reflect the band’s commitment to experimentation and the fusion of art and technology. Although "A Stone Only Rolls Downhill" is essentially a music video, its choreographic approach and creative use of technology place it close to the world of video dance. The work exemplifies how dance can be reinterpreted and presented through digital means, expanding the traditional boundaries of performance and artistic expression.



El video musical "A Stone Only Rolls Downhill", de la banda OK Go, lanzado en enero de 2025, es un trabajo que se acerca al campo de la videodanza explorando la intersección entre el movimiento coreografiado y la imagen en movimiento. Conocida por sus videos creativos y coreografías elaboradas, la banda utiliza teléfonos móviles en este trabajo para crear una secuencia coreografiada que se desarrolla en una matriz de 64 pantallas, cada una de las cuales muestra una parte de la actuación. En el caso de “A Stone Only Rolls Downhill”, el uso de múltiples pantallas y coreografía sincronizada se alinean con los principios de la videodanza, al enfatizar el movimiento y la interacción entre el cuerpo y la tecnología. La producción del vídeo implicó una planificación meticulosa, con 1.043 tomas realizadas durante ocho días, lo que dio como resultado más de dos horas de material sin editar. La complejidad técnica y la innovación en el uso de dispositivos móviles como herramientas de creación artística reflejan el compromiso de la banda con la experimentación y la fusión del arte y la tecnología. Aunque "A Stone Only Rolls Downhill" es, en esencia, un vídeo musical, su enfoque coreográfico y el uso creativo de la tecnología lo sitúan cerca del mundo de la videodanza. La obra ejemplifica cómo la danza puede reinterpretar y presentarse a través de medios digitales, ampliando los límites tradicionales de la performance y la expresión artística.


quinta-feira, 17 de abril de 2025

Reach


O diretor Billy Boyd Cape colabora com o artista de dança, coreógrafo e diretor Botis Seva e seu coletivo de teatro hip-hop, Far From The Norm, para explorar os temas de amor, abandono e paternidade. Em uma jornada de independência, descobrimos a luta interior de um homem entre sua mente e sua alma neste emocionante filme de dança, realizado em parceria com Sadler's Wells.

Cape dirigiu videoclipes para FKA Twigs, Pussy Riot e Pendulum, além de curtas-metragens comerciais e artísticos.

Encomendado para o 20º aniversário de Sadler's Wells, REACH estreou em outubro de 2018.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Someday, de Spike Jonze


Videodança como lente de análise em Someday de Spike Jonze

A videodança é uma linguagem híbrida entre o audiovisual e a dança. Ela se estrutura a partir do movimento, da coreografia, da câmera e da edição como elementos igualmente coreográficos. Não se trata apenas de registrar dança, mas de criar uma experiência sensorial onde o movimento do corpo e da câmera se entrelaçam, muitas vezes em sincronia com o som (ou o silêncio).

Spike Jonze dirigiu um curta em que Pedro Pascal, em plena metrópole, coloca os AirPods 4 e o mundo ao redor muda: o ruído da cidade se dissolve, e ele entra numa espécie de transe coreográfico. A cidade toda dança acompanhando à música que só ele ouve.  Spike Jonze, como em “Weapon of Choice” ou “Praise You”, constrói uma coreografia do cotidiano urbano atravessada por esse corpo dançando em meio ao caos interno.

Após o fim de um relacionamento, um homem caminha pela cidade. Os ombros caídos, o olhar perdido, o silêncio interno pesam em seus passos. Ao seu redor, tudo parece refletir esse estado: o céu é opaco, os prédios, desbotados, o movimento urbano, indiferente. A cidade pulsa em tons frios e abafados, como se compartilhasse de sua solidão.

Ele coloca os AirPods 4. Uma música suave e melancólica começa a tocar, e algo imperceptível começa a mudar. Como por encantamento, o mundo ao redor entra em sintonia com o som. A cadência dos passos dos transeuntes denotam que tudo parece dançar com ele. A cidade se move agora num balé contido, harmônico, como se acolhesse sua dor.

Um homem se aproxima pedindo informações. Ele ativa o modo ambiente para ouvir, e o ruído do mundo real invade de novo: buzinas, motores, vozes entrecortadas. A mágica se desfaz, e a realidade volta a pesar.

É então que, do outro lado da rua, ele o vê — ou melhor, vê a si mesmo. Uma versão luminosa, leve, cercado de amigas em um espaço vibrante, iluminado por cores quentes. Aquele “outro eu” sorri, dança, parece em paz. A trilha sonora muda junto: agora é alegre, pulsante, de um ritmo que convida ao movimento pleno.

A câmera acompanha Pedro Pascal, o protagonista, nesse novo percurso. Seus gestos ganham amplitude, fluidez e propósito. Ele atravessa a cidade dançando, e a cidade dança com ele. Os encontros com outras pessoas se tornam momentos coreográficos: abraços que giram, olhares que conduzem, movimentos que se entrelaçam com o espaço urbano. Há liberdade, alegria, um respiro coletivo que transforma o concreto em poesia.

Até que, ao fim desse percurso dançante, ele — a versão luminosa — reencontra aquele que era antes: o homem triste. Os dois se encaram por um instante. E nesse breve encontro de olhares, algo se redime. Há esperança.

Na cena final, ele — agora transformado — recoloca os AirPods. A música volta a tocar. A cidade segue sendo cidade, mas algo mudou: os transeuntes, ainda vestidos com tons neutros, agora trazem detalhes coloridos em suas roupas. Um lenço, um sapato, uma manga vibrante. É sutil, mas claro: as pulsões de tristeza e alegria coexistem, atravessam o cotidiano, e são estados em trânsito. O mundo continua, mas o olhar que o vê agora dança.

O silêncio como coreografia: cancelamento ativo de ruído

Na perspectiva da videodança, o cancelamento de ruído não é apenas um recurso tecnológico — ele se torna um elemento narrativo. O silêncio parcial, criado pelos AirPods, molda o modo como Pedro Pascal se move. A câmera de Jonze dança junto com ele, mergulhando o espectador nessa bolha sensorial. O espaço sonoro se transforma em movimento: o corpo de Pascal responde à música interna, mas também aos movimentos coreografados do mundo externo.

Sob a lente da videodança, o filme não é só sobre fones de ouvido — é sobre o efeito que eles têm sobre o corpo. É sobre o espaço íntimo e ao mesmo tempo conectado que se cria no meio do público. Pedro Pascal dança, não por performance, mas porque finalmente ele pode "se ouvir". É um novo tipo de liberdade, um novo tipo de escuta — e de movimento.

Maldonne - Leïla Ka & Josselin Carré


Com Maldonne, a coreógrafa Leïla Ka e a diretora Josselin Carré criaram uma obra marcante sobre a condição das mulheres.

Onze mulheres em vestidos floridos. Todos diferentes. Algumas frágeis, outras fortes ou sensuais, mulheres de poder, mulheres de feições juvenis, altas, baixas, negras, brancas, algumas já livres ou rebeldes, outras como que sufocadas pelo peso de sua história. Todas diferentes, mas juntas carregando uma comunidade de destinos femininos, uma história que ainda está sendo escrita e uma tristeza comum. Com raiva positiva.

Com o apoio da Onda – Gabinete Nacional de Difusão Artística no âmbito do programa Tela Viva.
Em coprodução com LUX, Scène nationale de Valence e Danse à tous les étage CDCN viajando pela rede Brittany/Tremplin.
Em associação com a ARTE França.
Com a participação do CNC.
Com o apoio do Ministério da Cultura / Direção Geral da Criação Artística.

Les Disparates de Boris Charmatz e César Vayssié

Les Disparates (1994)

Coreografia: Boris Charmatz & Dimitri Chamblas
Direção cinematográfica: César Vayssié

Contexto e importância

Les Disparates é um dos primeiros trabalhos coreográficos de Boris Charmatz e Dimitri Chamblas — criado quando ambos ainda eram muito jovens, com apenas 17 anos. Trata-se de uma peça coreográfica pensada originalmente para o palco, mas que ganhou uma nova dimensão com a versão em vídeo dirigida por César Vayssié, cineasta francês com forte inclinação experimental.

Essa obra tornou-se emblemática não só pela energia juvenil e inventiva da coreografia, mas também pela forma como ela transita entre dança, performance e cinema. A filmagem de Vayssié transforma o que poderia ser apenas uma gravação de dança em uma peça audiovisual pulsante, com sua própria lógica e linguagem.

A coreografia: fragmento e velocidade

Charmatz e Chamblas trazem em Les Disparates uma fisicalidade intensa, marcada por gestos abruptos, deslocamentos rápidos e uma sensação de urgência. O título — que remete a "os díspares", "os diferentes" — já sugere essa lógica do fragmento, do desencaixe, da diferença.

A dupla trabalha com o contraste entre aproximação e afastamento, entre movimentos de fuga e contato, em um jogo de forças e desequilíbrios constantes. É como se os corpos estivessem tentando se conectar, mas fossem sempre levados por forças maiores: gravidade, impulso, desejo, caos.

A linguagem de Vayssié: dança-câmera-montagem

César Vayssié não registra a dança como um observador distante — ele entra nela. Sua câmera é coreográfica, movendo-se com os bailarinos, muitas vezes colada aos corpos, distorcendo perspectivas, fragmentando a imagem.

A montagem também se torna um elemento coreográfico. O ritmo dos cortes, as sobreposições, os efeitos de distorção e os planos fragmentados amplificam a energia da coreografia, criando uma nova camada de sentido que não existia na peça original.

Nesse sentido, Les Disparates não é simplesmente uma dança filmada — é uma videodança em essência: uma obra onde o movimento dos corpos e o movimento da imagem são indissociáveis.

Há algo muito cru e vibrante nessa obra. Ela carrega uma urgência quase punk, uma estética do inacabado que desafia os modos mais polidos da dança tradicional. E essa escolha não é gratuita — é uma marca do pensamento artístico de Charmatz, que mais tarde se tornaria um dos coreógrafos mais influentes da cena europeia contemporânea.

Les Disparates continua relevante porque encarna um espírito de experimentação radical. Ela nos mostra o poder da colaboração entre linguagens: dança e cinema, corpo e máquina, juventude e linguagem.

Se você está pensando em videodança, essa obra é essencial. Ela antecipa discussões sobre presença, mídia, fragmentação, e, acima de tudo, sobre como o corpo pode ser pensado fora do palco — no tempo da imagem, no espaço da tela.

Seguidores